Cidadão não, engenheiro civil: como julgamos na internet

Virilizou na Internet a reportagem do "Fantástico" (05 de julho) mostrando uma mulher ofendendo um agente da Vigilância Sanitária durante uma blitz nos bares na orla do Rio de Janeiro. Dizia ela ao fiscal: "cidadão não, engenheiro civil formado melhor que você." 

Qual a sua opinião em relação à esta conduta? 

Na terça-feira, diante da repercussão negativa, a tal mulher foi demitida. E desde então vem sofrendo ofensas pelas redes sociais. É o julgamento sumaríssimo (e draconiano) do 'tribunal da internet" em ação.

Enquanto isto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo instaurou um procedimento disciplinar contra um juiz sob a acusação de que todas as vezes que ia ao fórum (sim, ele não estava lá todos os dias), enchia sua mochila com garrafas de águas guardadas na geladeira da copa e a disposição de todos os funcionários. Em um mês, totalizou 240 garrafas. Igualmente, sua conduta foi criticada

A indignação é justa. Se não fosse contraditória. 

A "carteirada" ou o "sabe com quem está falando?" é um comportamento raro? Essa despreocupação com o que pertence ao coletivo é pouco frequente? 

Não conheço a "tal mulher". Mas, olhemos com cuidado a situação. Não faço a defesa de quem agiu tão reprovavelmente. Aposto que não é diferente das pessoas do nosso convívio social. Deve ser alguém sociável, tem amigos, e age conforme as normais sociais. Fora do ambiente privado, porém, na rua, por exemplo, inexplicavelmente, confrontam a autoridade e impõe a sua "individualidade", manifestam o egoísmo e o desprezo as questões éticas da coletividade.

Da mesma forma, se pudéssemos questionar o juiz os motivos de pegar as garrafas de água (cujo valor é insignificante em relação ao seu salário, logo não é por dificuldades financeiras), certamente responderia que não enxergava algo errado na atitude. E estaria sendo sincero na sua resposta. 

O sociólogo Sergio Buraque de Hollanda, em sua obra-prima Raízes do Brasil, discorreu sobre o "homem cordial" na formação da sociedade brasileira. A dualidade deste personagem consiste entre um comportamento reto na vida privada e alguns "desvios" fora dela. 

O "homem cordial" é um ser polido, generoso, de bom trato no seu dia-a-dia. Mas, fora do ambiente privado comporta-se como se ainda estivesse nele. Seus comportamentos públicos não diferem daquelas que seriam comum e exclusivamente às relações domésticas. O coletivo é tratado como se pertencesse ao indivíduo. A usurpação do público leva a desrespeitar a autoridade, hostilizar às instituições e acreditar que o outro sempre está se aproveitando da situação. É a ambiguidade deste homem simples que ferem a "res publica".  

Desvios e corrupções ou favorecimento do círculo familiar ou íntimo, ainda que pequenos (acostumamos com valores exorbitantes dos tempos da Lava-Jato) são reprováveis como as condutas cotidianas dos "cidadãos do bem" praticadas mesmo inconscientemente. 

Censuramos a corrupção e os desvios dos outros. Toleramos, porém, condutas do nosso círculo íntimo. 

Dan Ariely, Professor de Psicologia e Economia Comportamental na Universidade de Duke, Estados Unidos, no livro "A mais pura verdade sobre a Desonestidade", cita um episódio curioso e contraditório dos julgamentos morais do homem de bem: Certo dia, um pai recebe um bilhete da escola dizendo que seu pequeno filho "pegou" durante a aula a caneta de seu amiguinho. O pai o repreende e questiona: "se você estava sem caneta, por que não me avisou que eu pegava um do escritório?". 

Desde a carteirada, até pegar a caneta no escritório, passando pelo atestado médico falso, as mentiras corporativas, os pequenos furtos, etc, e que são toleráveis, são duas faces da mesma moeda: a cultura do levar vantagem em tudo e os outros são os corruptos. 

Cada pessoa carrega a sua moral (e aqui não há julgamento sobre o certo e o errado). A moral é a base para a formação do juízo. Ironicamente, nem sempre serve para julgar a nós mesmos. Às vezes, cega. Até justifica (irei um escrever outro artigo sobre decidir, agir e depois racionalizar e explicar a conduta). Aceitamos a "corrupção" em determinada esfera. Indignamos em outra. Quando deveríamos não aceitar em qualquer lugar ou independentemente de quem a pratica. 

Quem não tem pecado que atire a primeira pedra. Ou condene na internet.   

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